Uma inválida, que foi invalidada. Sem passaporte válido. Sem saída.
Distopias são interpretações do mundo que vivemos, possibilidades – geralmente catastróficas – do futuro. Por isso, muitas vezes são interessantes meios de crítica social: o mundo distópico dificilmente está descolado do mundo real, é como se o autor colocasse uma lupa sobre aquilo que considera prejudicial na sociedade que vive. O Conto da Aia não é diferente, o mundo criado por Atwood tem similaridades apavorantes com a realidade que vivemos, ainda que tenha sido escrito há algumas décadas.
O livro é escrito em primeira pessoa e conta a história de Offred, ou um fragmento dela. Na realidade de Offred, após diversas crises que “ameaçavam” a existência americana – supostos ataques terroristas, desastres naturais e nucleares, novas cepas da sífilis, esterilidade epidêmica e, principalmente, o avanço dos direitos das mulheres -, os Estados Unidos sofreu um golpe de estado e instaurou-se Gilead, um Estado Teocrático Cristão, autoritário e rígido. A natalidade reduzida é usada para justificar uma série de medidas que subitamente anulam os direitos conquistados pelas mulheres até a década de 80, e dividem as mulheres em castas de acordo com suas capacidades reprodutivas. Frequentemente, durante o livro, o destino biológico, ou seja, a noção de que as mulheres são naturalmente destinadas aos papéis domésticos, é afirmado como uma benção, o único caminho possível para a redenção e manutenção da sociedade. Sob um rígido código moral, essas mulheres têm seus corpos controlados pelo Estado e pelos homens que as possuem. O nome verdadeiro de Offred não é revelado, uma vez designada a uma casa, assume o nome de seu senhor. Seu nome é, na verdade, uma expressão que atesta sua submissão: Offred vem de Of Fred, ou seja, do Fred.
Não acho que seja aleatório que o tema dos direitos das mulheres tenha um lugar tão importante em todo o decorrer do livro. O Movimento Feminista, que ganhou uma força cada vez maior a partir da década de 60, havia provocado mudanças profundas na forma que mulheres e homens viviam e se relacionavam. Em pouco tempo, vimos mulheres obtendo o voto, ocupando vagas em universidades, participando de manifestações e movimentos políticos e discutindo questões tabus como sexualidade e direitos reprodutivos.
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